COVID-19 e uso de Cigarro Eletrônico: entenda como esses dois assuntos podem estar relacionados
Instituído em 1986 pela Lei Federal 7.488, a data de 29 de agosto inaugura a normatização voltada para o controle do tabagismo como problema de saúde coletiva. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), o Dia Nacional de Combate ao Fumo tem como objetivo reforçar as ações nacionais de sensibilização e mobilização da população para os danos sociais, políticos, econômicos e ambientais causados pelo tabaco.
O cigarro possui ao menos 70 substâncias cancerígenas – sendo mais de 4.700 componentes tóxicos, caracterizando-se como responsável por 90% de todos os casos de câncer de pulmão – entre os 10% restantes, um terço é de fumantes passivos – e 30% de outros tipos de câncer, como de boca, laringe, faringe, esôfago, estômago, pâncreas, fígado, rim, bexiga, colo de útero e leucemia.
Sobre o Cigarro Eletrônico
A indústria tabagista está se modernizando e propondo “novas caras” ao fumo. Surgiram primeiro os novos sabores e, recentemente, apareceram os vaporizadores ou cigarros eletrônicos.
Os cigarros eletrônicos costumam atrair jovens que, muito provavelmente, migrarão, no futuro, para o uso do cigarro convencional. Este jovem terá maior probabilidade de tornar-se dependente da nicotina.
Publicação Científica
O artigo referido “Differential diagnosis between lung injury associated with electronic cigarette use and COVID-19 pneumonia”, com tradução para o português – “Diagnóstico diferencial entre lesão pulmonar associada ao uso de cigarro eletrônico e pneumonia por COVID-19”, traz contribuições para a classe médica e a sociedade, principalmente, neste período de pandemia, em que os estudos científicos são cada vez mais necessários.
Nota ao editor – estudo:
Uma mulher de 48 anos de idade foi submetida à Ressonância Magnética (RM) de abdômen para investigação de um cisto no pâncreas. Incidentalmente, alterações nas bases pulmonares foram encontradas nas imagens. Quando questionada especificamente sobre sintomas, a paciente relatou tosse persistente e cefaleia há três semanas. Foi encaminhada ao Pronto Socorro para melhor avaliação e teste para SARS-CoV-2, com resultados negativos (RT-PCR e sorologia). Dois dias depois, apresentou fadiga e febre (38°C) e foi hospitalizada.
A Tomografia Computadorizada (TC) de tórax revelou áreas de consolidação associadas a discretas opacidades em vidro fosco nos lobos inferiores que foram interpretadas como suspeita de pneumonia por COVID-19 com leve extensão parenquimatosa nos laudos radiológicos.
Quando realizada uma nova rodada de testes para COVID-19, foram observados resultados negativos mais uma vez. Recebeu alta afebril, em uso de antibioticoterapia, e foi orientada a fazer acompanhamento no ambulatório de pneumologia da instituição. Duas semanas depois, durante a avaliação clínica no ambulatório, a paciente apresentou tosse persistente, piora da fadiga e calafrios (mas sem febre). Uma nova TC de tórax revelou um pequeno aumento do número de consolidações nos lobos inferiores.
Apresentava normalidade, exceto pelo cisto de pâncreas e um diagnóstico de transtorno depressivo (tratado com bupropiona). Não tinha histórico de exposição ambiental e era ex-fumante (cinco anos-maço; parou aos 27 anos de idade).
Cigarros Eletrônicos
Segundo o estudo, o número de cigarros eletrônicos tem aumentado significativamente desde sua introdução na Europa em 2006; foram estimados cerca de 41 milhões de usuários em 2018.
A EVALI – lesão pulmonar associada ao uso de produtos de cigarro eletrônico ou vaporização – aparenta ser uma síndrome caracterizada por insuficiência respiratória e intensa resposta inflamatória. Os pacientes apresentam febre, leucocitose e aumento dos níveis de proteína C reativa, bem como testes virais e bacterianos negativos. Os pacientes comumente demonstram fenótipo inflamatório com altas concentrações de pelo menos dois marcadores (proteína C reativa, VHS, leucocitose e procalcitonina).
O estudo relata que, diferentes produtos funcionam como vaporizadores, incluindo os cigarros eletrônicos modernos. Todos esses dispositivos funcionam por meio do aquecimento de um líquido no interior de cartuchos, produzindo vapor aerossolizado inalado para os pulmões.
O líquido dos cigarros eletrônicos pode conter diversos componentes, como o acetato de vitamina E (geralmente usado como diluente para óleo de tetrahidrocanabinol), sendo considerado como um dos principais agentes causais da EVALI.
No entanto, há muitos outros componentes que são potencialmente perniciosos quando inalados. Deste modo, ainda é necessário um melhor entendimento sobre a fisiopatologia da EVALI, incluindo estudos sobre a química e toxicologia desses componentes, bem como sobre os mecanismos de alterações moleculares e celulares envolvidos.
O estudo ressalta ainda que as formas de apresentação por imagem da EVALI são bastante variadas, caracterizadas por opacidades em vidro fosco (o achado dominante na maioria dos pacientes), consolidações, espessamento de septos interlobulares e atenuação em mosaico. Diferentes padrões radiológicos foram descritos e correlacionados com diferentes apresentações histopatológicas, como dano alveolar agudo, pneumonia eosinofílica (PE), pneumonia em organização (PO), hemorragia alveolar, pneumonite de hipersensibilidade, pneumonia lipoide e outros padrões mistos ou não classificáveis.
Embora os achados de imagem sejam variados, parece haver um ponto comum entre os diferentes padrões: a bilateralidade das alterações parenquimatosas. Essas alterações podem ser difusas ou predominar em um dos campos pulmonares (superiores ou inferiores).
Relação entre o cigarro eletrônico e a paciente em estudo
A paciente em estudo relatou ter usado cigarros eletrônicos em diversas ocasiões durante o primeiro semestre de 2020 (mais de 10 vezes). Seu último consumo (junto com o uso de maconha) tinha sido uma semana após o início dos sintomas.
Durante o exame físico, respirava normalmente, apresentando tosse paroxística sem expectoração. A Saturação de Oxigênio (SpO2) era de 96% em ar ambiente. A ausculta pulmonar revelou estertores crepitantes nas bases pulmonares. O restante do exame físico foi normal.
Os exames de RT-PCR e sorologia para SARS-CoV-2 foram negativos novamente, da mesma forma que os resultados para outros testes sorológicos virais. As provas reumatológicas foram normais. A broncoscopia apresentou resultados normais, seguida de coleta de LBA e biópsia transbrônquica na base pulmonar posterior esquerda.
A citologia do LBA revelou a presença de 20% de eosinófilos, enquanto a análise do fragmento de biópsia revelou sinais de pneumonia e um grande número de eosinófilos. Os testes para infecção no LBA e no fragmento de biópsia resultaram negativos.
Foi iniciado tratamento com prednisolona (60 mg/dia). A TC de acompanhamento 30 dias depois demonstrou resolução completa das consolidações, com permanência apenas de atelectasia linear nas bases pulmonares (Figura 1D). Paralelamente, a paciente, que já havia abandonado o uso de cigarros eletrônicos, apresentou melhora clínica após a corticoterapia.
COVID-19 e Cigarro Eletrônico
Em março de 2020, a OMS declarou a COVID-19 uma pandemia, reflexo de uma doença implacável com alto índice de transmissão em um contexto epidemiológico que torna praticamente imperativo o descarte desse diagnóstico aos mínimos sinais de sintomas respiratórios e sistêmicos. Um dos principais métodos diagnósticos que têm sido amplamente empregados neste cenário é a TC de tórax.
De acordo com o consenso da Radiological Society of North America sobre como relatar achados de TC de tórax relacionados à COVID-19, foram propostas quatro categorias: típicos, indeterminados, atípicos e negativos para pneumonia. Os objetivos desse sistema padronizado de classificação são fornecer orientação e confiança aos radiologistas e ajudá-los a se comunicar claramente com outros prestadores de cuidados de saúde.
Nesse sistema de classificação, características típicas são aquelas relatadas na literatura como frequentemente e mais especificamente vistas na pneumonia por COVID-19 durante a pandemia atual. Embora os achados de TC representem uma importante ferramenta para a triagem da COVID-19, muitas vezes eles podem ser limitados, mesmo quando achados considerados típicos são demonstrados. Portanto, diversas etiologias diferentes são capazes de induzir achados clínicos e radiológicos muito semelhantes aos da COVID-19 e devem ser levadas em consideração como diagnósticos diferenciais, incluindo causas infecciosas e não infecciosas.
A paciente em questão, que apresentou a TC de tórax inicial, demonstrou consolidações e opacidades em vidro fosco nos lobos inferiores, algumas assumindo formas anulares ou semianulares, lembrando o sinal do halo invertido, que geralmente é visto no padrão clássico de PO (pneumonia em organização).
Os achados de imagem em pacientes com pneumonia por COVID-19, bem como naqueles com outras pneumonias virais, podem ser parcialmente atribuídos à PO secundária. Continuou-se a investigação com biópsia transbrônquica e análise do LBA, que revelaram um elevado número de eosinófilos e PE (pneumonia eosinofílica), respectivamente.
A PE apresenta sobreposição de achados de imagem com a PO, e elas podem ser diferenciadas pela demonstração indireta de eosinofilia periférica ou pela demonstração direta de infiltrados eosinofílicos. A PE pode ter diferentes fatores desencadeantes, incluindo o uso de cigarros eletrônicos e infecções virais. Recentemente, foi relatado um caso de PE associada à COVID-19, e houve melhora clínica e radiológica após tratamento com prednisolona, à semelhança do que ocorreu com a paciente neste estudo.
Conclusão
Diante dos testes laboratoriais negativos para SARS-CoV-2 e outros agentes infecciosos, dos testes reumatológicos negativos, do fato de que a paciente relatou uso de cigarro eletrônico e da rápida resposta clínica após a interrupção desse uso e o término da corticoterapia, chegamos ao diagnóstico de PE relacionada à EVALI.
Autores:
Augusto Kreling, Medeiros, Felipe Marques da Costa, Milena Tenório Cerezoli Huylmer, Lucena Chaves, Ulysses S Torres.
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Nosso time
Fizeram parte deste importante estudo, o médico radiologista, Ulysses dos Santos Torres, do Grupo Fleury. Ao lado de, Augusto Kreling Medeiros, Felipe Marques da Costa, Huylmer Lucena Chaves e Milena Tenório Cerezoli, do Hospital Beneficência Portuguesa.
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O arquivo está disponível online, na íntegra, em inglês. Clique aqui e confira.
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